Marv Wolfman x John Byrne
Acha estranho o título desse post? Bem, cabe a nós explicarmos em detalhes o motivo da "treta" entre Marv Wolfman e John Byrne, e iniciaremos nossa explicação com uma breve biografia do Sr. Wolfman.
Terrax estreou em Fantastic Four #211, em uma história escrita por Marv Wolfman e desenhada por John Byrne. O mais selvagem dos arautos de Galactus apareceu em destaque na capa de Fantastic Four #213.
Na sua infância Marv foi o típico nerd-obcecado-por-gibis, e nesse período da sua vida ele chegou inclusive a participar da elaboração de vários fanzines. Ainda muito jovem no final dos anos sessenta ele arrumou trabalho na DC Comics, e por lá escreveu os seus primeiros roteiros profissionais, todavia algumas divergências ideológico-criativas (que um dia iremos explicar aqui) o fizeram abandonar essa tradicional editora e procurar abrigo na Marvel Comics no início dos anos setenta. Na Marvel Wolfman fez de tudo um pouco: editou a linha de revistas em P&B da editora, durante um curto período assumiu o cargo de editor-chefe e escreveu muitos, muitos roteiros. Prolifíco, entre os gibis da Marvel cuja a elaboração do script ficou sob a responsabilidade de Marv este blogueiro se lembra agora de Daredevil (Demolidor), Amazing Spider-Man (Homem-Aranha), Fantastic Four (Quarteto Fantástico), Marvel Two-in-One (revista que trazia encontros do Coisa com outros heróis), Tomb of Dracula (o Drácula, é claro!) e John Carter Warlord of Mars (personagem de Edgar Rice Burroghs, o criador do Tarzan). Obviamente a criação de tantas histórias remeteu a criação de vários novos personagens para o já vasto panteão da Marvel: em Daredevil #131 Wolfman lançou o Mercenário (Bullseye), um assassino que nunca erra o seu alvo; em Fantastic Four #211 os leitores foram apresentados a Terrax, um novo e cruel arauto de Galactus, o devorador de mundos; em Tomb of Dracula #10 o caçador de vampiros Blade deu as caras pela primeira vez; a anti-heroína Gata Negra (Black Cat) estreou em Amazing Spider-Man #194 e por fim em 1976 Wolfman resgatou do fundo da sua memória o Nova, um antigo personagem que ele havia criado nos seus tempos de fanzineiro e lançou-o em uma nova série regular.
Mercenário -- o assassino de mira perfeita -- faz sua estréia em Daredevil #131.
Tudo estava bem, tudo estava legal, mas supostamente divergências criativas com o editor-chefe da Marvel Jim Shooter fizeram Wolfman buscar "novas paragens". Ou talvez seja melhor falarmos "antigas paragens", já que o roteirista voltou a trabalhar na DC Comics no início da década de oitenta. Lá, o nosso amigo se deu muito bem, criando os Novos Titãs (New Teen Titans) -- um dos maiores sucessos editoriais dos anos oitenta -- e escrevendo Crise nas Infinitas Terras, a mais definitiva de todas as sagas super-heroísticas. Outro trabalho importante de Wolfman na DC Comics rolou em 1985/1986, durante a reformulação do Superman comandada por John Byrne, já que coube a ele reinvenção de Lex Luthor, vilão que deixou de ser um cientista louco para se tornar um dos homens mais ricos (e desalmados) do mundo.
Blade iniciou a sua vida de caçador de vampiros em Tomb of Dracula #10.
A Gata Negra entrou na vida do Homem-Aranha em Amazing Spider-Man #194
A Vida foi seguindo seu curso natural, e lentamente Wolfman deixou de ser um best-seller se afastou da indústria de quadrinhos. Todavia, algumas coisas precisavam ser acertadas, como a questão dos direitos autorais dos personagens que ele criou para a Marvel nos anos setenta. Entendendo que o copyright de personagens como Blade, Terrax e Nova eram seus em 1997 Wolfman abriu processo contra a Marvel com o intuito de recuperar seus plenos direitos sobre eles. Tal caso chamou a atenção de quase todos os profissionais da indústria, já que o resultado dessa pendenga jurídica certamente criaria jurisprudência para casos semelhantes. Em 2000 o caso finalmente foi parar no tribunal, e a Marvel não deixou por menos: gastando os tubos ela chamou como suas testemunhas diversos colegas e contemporâneos de Wolfman dos bons e velhos anos setenta, inclusive pagando passagens e hospedagem para eles. Decididamente Wolfman não estava preparado para isso, e com certeza não estava preparado para o depoimento de John Byrne, com quem ele trabalhou em Amazing Spider-Man, Fantastic Four e na reformulação do Superman. Em seu depoimento Byrne deu toda a razão para a Marvel na questão, e chegou inclusive a diminuir os méritos de Wolfman na criação de Terrax, vejam só! Mas a parte engraçada (ou triste, dependendo do ponto de vista) foram as supostas "caretas" que o desenhista fez durante o depoimento de Wolfman. Vejam o que o roteirista falou a respeito disso, em trecho de entrevista dada para o The Comics Journal traduzida de maneira livre e porca pelo blogueiro que vos fala:
"Ele fazia caretas quando eu olhava em sua direção, principalmente nos trechos do meu depoimento onde eu tinha que me referir a ele. (...) Ele começava a sacudir a cabeça negativamente, como se eu estivesse cometendo algum erro, e isso me perturbava, porque eu estava tentando me lembrar de eventos específicos. Ele estava agindo como se fosse uma criança de dois anos que não tinha tomado a sua dose de ritalina (remédio indicado para pessoas que sofrem de hiperatividade ou transtorno de déficit de atenção)."
Nova, personagem que Wolfman criou durante a sua época de fanzineiro e que posteriormente foi lançado de forma oficial e profissional pela Marvel Comics em 1976.
Em sua defesa Wolfman alegou que na época em que trabalhava na Marvel ele não assinou nenhum contrato concedendo os direitos sobre os personagens em questão para a Marvel, e que vários deles (em especial o Nova) haviam sido registrados por ele ainda nos seus tempos de fanzineiros. De fato a Marvel não tinha nenhum contrato desse tipo, só que no final de tudo Wolfman se deu mal, e a Justiça deu ganho de causa para a Marvel Comics. Desse caso a única coisa que sobrou para o roteirista foi a frustração pela causa perdida e uma profunda decepção com seu "colega" John Byrne, também registrada em entrevista ao The Comics Journal:
"Eu nunca tive nenhum problema pessoal com John, mas obviamente ele tem algum comigo. Pode ser por causa do Luthor, que foi uma criação minha e se tornou um dos itens mais perenes na mitologia do Superman. Prefiro acreditar que esta não é a razão (..) Eu acho que todo o mal-estar que eu tenho sobre isso, falando francamente, é por causa de John Byrne e não da Marvel. Isso porque a Marvel fez o que tinha que fazer. John fez coisas que eu não acreditava que ele faria (...) Se eu falei com ele após julgamento do caso? Não. E não irei. Acho que acabaria pegando-o pelo pescoço. Tudo o que eu posso dizer é que isso foi terrivelmente doloroso e chato para mim, e acredito que as pessoas podem entender quando toda a atenção está sobre você em um julgamento, e você está tentando responder perguntas difíceis o decoro e o espírito civilizado são uma exigência para todos que estão na corte. Eu fiquei incrivelmente magoado, mais do que você pode imaginar. Você teria que estar lá para ver o efeito do que John fez, e muito provavelmente ele não se importou com isso."
Pois é moçada, a rapadura é doce mas não é mole, e decididamente não é uma boa idéia convidar para a mesma mesa John Byrne e Marv Wolfman! E tenho dito!
Fonte:
The Comics Journal
Um comentário:
Mas que artigo legal! Já tinha lido algo a respeito do rolo entre Wolfman e a Marvel no livro "A Era de Bronze" (recomendo a todos a leitura, é excelente!), e de como a editora "abocanhou" Nova, Blade etc. Parabéns!
Baldaque
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